Ser presença misericordiosa na vida daquele que sofre é uma das atitudes que marcam a vida e o ministério do Papa Francisco. O bispo de Roma é alguém que coloca a pessoa acima de qualquer condição religiosa, racial, orientação sexual… Ele é alguém que abraça, acolhe, consola, se compadece e perdoa.
Mais uma prova desse jeito próprio do Papa Bergoglio foi conhecida na última terça-feira, 20 de março, quando Dona Marinete da Silva, a mãe de Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro, vilmente assassinada junto com seu motorista, Anderson Gomes, no último dia 14 no centro da capital fluminense, episodio que tem abalado o país. A mãe da vereadora, no final da missa de sétimo dia, celebrada na Paróquia de Nossa Senhora do Parto, revelou que tinha recebido uma ligação telefônica do Papa Francisco.
A família de Marielle é católica, sua mãe já foi ministra da Eucaristia no complexo de Maré, uma das zonas mais castigadas pela violência e a miséria, e a própria Marielle, ultimamente mais ligada com as religiões de matriz afro-brasileira, foi catequista e militante da Pastoral da Juventude. Mãe aos 19 anos, posteriormente se casou com uma mulher e aos poucos foi se afastando da Igreja católica, que na Arquidiocese do Rio de Janeiro, concentra, segundo diferentes opiniões, um clero conservador e distante das problemáticas sociais, na linha contrária daquilo que prega, vive e pede o Papa Francisco.
De fato muitos têm criticado a pouca proximidade das famílias dos assassinados por parte do Arcebispo local, o Cardeal Orani Tempesta, que limitou-se a emitir uma nota de solidariedade no passado dia 15 no site da Arquidiocese, considerada em diferentes meios como fria e distante. Alguns bispos, como Dom José Luiz Ferreira Salles, bispo de Pesqueira-PE, ou Dom Guilherme Werlang, bispo de Lages-SC, têm-se manifestado pessoalmente nos últimos dias defendendo a memória de Marielle Franco, criticando “um modelo de Estado que se impõe no gesto de um poder não serviçal e que assassina mulheres e homens cotidianamente em nosso País…, e que alimenta e nutre um segmento social nada generoso com a grande maioria de nosso País, que ainda se mantém ao margem dessa sociedade”. Nesse sentido, denunciam que “o brutal assassinato da vereadora do Rio, Marielle Franco, é simplesmente a prova mais cabal que o cala a boca ou morre que impera por ordem da Casa Grande se mostra com toda sua crueldade”.
Nos últimos dias têm sido numerosas as manifestações de repulsa pelo assassinato da vereadora, mas também foram muitos os ataques sofridos, nem só contra a falecida como também contra quem pretende defender sua memória e legado. No domingo passado, dois homens xingaram na missa ao padre que falou o nome da vereadora numa Igreja do bairro de Ipanema, zona de classe media alta do Rio.
Finalizada a missa de sétimo dia foi realizado um ato inter-religioso no centro da capital fluminense, enfrenta da Câmara de Vereadores, onde Marielle exercia seu mandato desde janeiro de 2017, tendo sido a quinta vereadora mais votada. Estavam presentes, junto com uma grande multidão, representantes de diferentes Igrejas cristãs e de outras religiões.
Na primeira intervenção, Leonardo Boff, saudou a família de Anderson e Marielle, em especial a Mônica, companheira de vereadora, afirmando que “Marielle é uma semente, que ó o principal símbolo de vida, vida em abundância e havia produzido milhares de frutos”. Do mesmo modo se pronunciaram o Pastor Henrique Vieira e o Padre Niraldo Lopes, quem diz que Marielle era “representante dos pobres e das periferias, que seu sangue não foi derramado em vão”. Mais contundentes foram as palavras dos representantes das religiões de matriz africana, denunciando que Marielle foi morta por ser preta, favelada, mulher e LGBT.
Marielle Franco foi uma das grandes ativistas sociais nos últimos anos no Rio de Janeiro, denunciando a violência que marca a vida do dia-a-dia na cidade, se tornando um referente para os coletivos mais perseguidos e sobretudo para o povo das favelas, esquecidas pelos diferentes governos e controladas pelo tráfico de drogas. De fato, no momento de sua execução voltava de intervir num ato em defesa das mulheres negras.
Muitos afirmam que o motivo último da morte da vereadora, que tinha sido nomeada relatora da Comissão que acompanha a intervenção militar no Rio de Janeiro, tem a ver com a denúncia da violência policial contra os jovens na favela de Acari, que ela mesma tinha realizado nas redes sociais no dia 10 de março.
Abaixo o link do vídeo da fala do Pastor Henrique Vieira. Uma das falas mais emocionantes da noite!